sábado, 25 de agosto de 2012

Aflição na charneca

Ontem a lua crescente sobre São Paulo parecia o aflitivo sorriso sem gato da Alice e o vento frio lembrava o clima de uma charneca irlandesa no outono.

Essas palavras de colecionador custam bem caro se você for comprar novas na lojinha da Academia Brasileira de Letras. Mas essas do título são usadas e eu ganhei de graça. Uma da Fal, que outro dia mostrou como a pobreza da literatura e da filosofia brasileiras é culpa da falta de charnecas nesta terra esquecida de Deus. Outra da Camila, aflita em um email de uns tempos atrás. Este post podia chamar "A charneca secreta de Fábia V." ou  "As aflições de Camila", mas como não sei nem quero escrever esses romances quasi-eróticos para moças de família, que por sinal vendem que nem água, não chama.

O resto do texto são algumas notas esparsas sobre assuntos diversos. Sem qualquer ordem de importância, preferência ou relevância. Nem qualquer outra referência a aflições, charnecas, aflições em charnecas ou mesmo charnecas aflitivas.




40 picaretas com anel de doutor? Soninha nem de longe é o Lula e na Câmara dos Vereadores de São Paulo não cabem mais que uns 50 e poucos picaretas. Ainda assim, a aliada ex-petista de Serra até que tem lá seus momentos (aliás, Serra tem uma certa tara por ex, não tem não? Ex-fumante, ex-petista, ex-comunista, é com ele mesmo. Ele mesmo adora ser ex, né? Mal consegue esquentar cadeira e já está pensando no cargo seguinte...). Claro, ela não vai até o fim, não diz quem são os vereadores que trocam dinheiro por voto. O que nos encaminha de volta ao mero discurso moralista genérico "contra tudo que está aí", na linha Classe Média Sofre. Ou Demóstenes. Muito ao gosto do PSDB e seus satélites.

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Luís Nassif ou Paulo Henrique Amorim?
A eleição paulistana e a Lei de Goldwin. E já que estamos tangenciando a eleição municipal, quando foi que os nazistas chegaram a São Paulo, heim? Primeiro foi o Serra acusando a blogosfera e a militância online (isto é, quase todo mundo menos os blogs da grande imprensa) de serem equivalentes a uma "SA nazista". As SA ( sigla em alemão de "tropa de assalto"), para quem não lembra, foram o braço armado do Partido Nazista até quase o início da Segunda Guerra. A SA foi responsável, por exemplo, pela Noite do Cristais Partidos em 1938, na qual milhares sinagogas, lojas, escritórios e casas pertencentes a judeus foram destruídos, pelo menos 91 pessoas foram assassinadas e 30.000 judeus foram presos e posteriormente enviados a campos de concentração.

Serra e Soninha discutem aliança para o segundo turno?

Algum tempo depois, para espanto (sic) do tucanos, aparece na Internet um daqueles vídeos satíricos comparando Serra a Hitler. Hitler, para quem não lembra, foi o ditador da Alemanha de 1933 a 1945, período durante o qual ele iniciou a Segunda Guerra Mundial e liderou o extermínio de cerca de 6 milhões de judeus (além dos ciganos, dos comunistas, dos homossexuais, etc). 

Em resumo, o senso de proporção de tucanos e petistas parece ter desaparecido em algum desvão pelo caminho. Nenhum dos dois grupos tem a organização necessária para sequer parecerem nazistas, muito menos membros com o fanatismo requerido para realmente lembrar aquele movimento. E comparar o adversário aos nazistas em uma eleição municipal é sinal claro de desespero, falta de senso e uma insensibilidade quase terminal para com o real significado de Auschwitz. Nenhuma dessas qualidades é algo que se espere de um prefeito.

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À subsombra desumana dos linchadores.  Na mais triste nação, na época mais podre, o para-jornalismo que passa por imprensa livre se arroga o papelão de tentar ser promotor, juiz e carrasco. Independente dos (supostos) crimes e dos (supostos) criminosos*, o linchamento promovido por gente como Reinaldo, Merval, Noblat, Dora, Setti,  Graeib, Nunes, Villa, o primeiro e os três últimos em vídeo diário, é vergonhoso. 

Os jornalistas de Veja já perderam qualquer prurido que pudessem um dia ter tido. Augusto Nunes, por exemplo, publicou um post em que chama o ministro Ricardo Lewandowski de "jurista medíocre", "comparsa", além outras coisas. O texto é até interessante porque nele Nunes deixa claro que os réus integram, sem exceção, "um bando fora-da-lei" e que não há qualquer hipótese de juízes "independentes" inocentarem ali quem quer que seja. Independente, aparentemente, dos autos e das provas reais. Basta a opinião de Augusto e seus pares na grande mídia.

Azevedo, por outro lado, que a três por quatro arrota "Estado Democrático de Direito" para justificar qualquer barbaridade da polícia militar paulista, chega ao cúmulo de escrever "Uma “verdade processual” que se choca frontalmente com a “verdade dos fatos” verdade não é, nem mesmo processual." (sic!) e não se envergonha de "provar" sua tese usando verdades processuais! O que ele pede? Que os juízes julguem com  base em que, senão nos autos (a definição de verdade processual)? Na opinião de Reinaldo, para quem (e há textos provando) a defesa dos réus não passou de perda de tempo? Nesse passo fico com medo que, daqui há uma ou duas semanas e mais alguns vereditos, o Reinaldo e o Augusto estejam tomando cerveja com o Hugo Albuquerque e o Bruno Cava, debatendo noite adentro a diferença entre o Direito e a Vida.

* É, supostos. Porque numa democracia, se você acredita no Direito, você não chama alguém de "ladrão" até que um tribunal diga que aquela pessoa é, de fato, um "ladrão" - não um promotor, não um Procurador Geral da República (ou mesmo dois desses) e principalmente, não um jornalista (ou 50 ou 100). Um tribunal

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Dinheiro em Penca. No final do "Seminário sobre A carta roubada"*,  Lacan nos assegura que uma carta sempre chega ao seu destino. Mas quem é que vai confiar em psicanalista, ainda por cima francês, né? Então baixa um Cacaso rápido, com música de Tom Jobim: Uma vez em Nova York/Liguei pro meu feiticeiro/Que atendeu o telefone/Lá no Rio de Janeiro/Eu então falei pra ele/Procurar meu macumbeiro/Pra avisar pro pai-de-santo/Pra arranjar algum dinheiro/Pra pedir pro delegado/Pra soltar meu curandeiro/Ao doutor seu delegado/Pra soltar meu curandeiro. E a Camila bloga um tuíte para avisar o povo do feed que ela tinha mandado email.

* O link leva para o texto em inglês, "Seminar on The Purloined Letter", no original "Le Séminaire de la lettre volée". É o primeiro texto nos "Escritos".**
** E você quiser mesmo entender o que o Lacan está dizendo ali, "Empty Gestures and Performatives: Lacan Confronts the CIA Plot", o segundo capítulo do livro "How to Read Lacan", do Slavoj Zizek.

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De susto, de bala ou vodca. "Melhor morrer de vodca que de tédio", nos diz Mayakovsky através de Vladimir Safatle em "A Esquerda Que Não Teme Dizer Seu Nome", para o desgosto de um certo conservadorismo de casa de fado e um grande desentendimento sobre a diferença entre a indiferença e a "indiferença". Isso porque Safatle não é Derrida, então não aliterou a palavra como devia...

"A Esquerda..." não é um livro acadêmico de filosofia mas um pequeno ensaio sobre o estado e as possibilidades do pensamento e da práxis críticos nos dias que correm, escrito em uma linguagem mais popular e sem muitas preocupações com referências ou citações. Talvez um dos problemas do livro seja esse, ficar a meio caminho entre uma obra acadêmica e um livro de divulgação, incorporando algumas vantagens mas também defeitos importantes dos dois lados.

Não vou resenhar o livro agora, mas vou escrever um outro texto só para comentar a pequena polêmica da indiferença, conceito que parece não ter sido entendido nem pela esquerda, nem pela direita (quem diria...) nem pela ala odara-tropicalista do marinismo transcendental.


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