sexta-feira, 6 de julho de 2012

Por um punhado de segundos?

Eris, Páris e Afrodite, 
em foto lendária nos Jardins do Olimpo
A narrativa mitológica é contada assim: reunidos no Terraço Itália, os Grandes Eleitores de São Paulo jantavam felizes em uma grande festa democrática, regada a vinhos franceses e whisky de um malte só. Lá estavam, na mesa central, o governador Alckmin e todos ex-prefeitos vivos, o maquiavélico Kassab, o soturno Serra, o velho Maluf, a elegante Marta e a valente Erundina. Nas mesas secundárias, dispostas em volta do salão, se viam desde Pequenos Eleitores, como os irmãos Tato e o higienista Matarazzo, até Candidatos Menores como Soninha "Sussa" Francine e Russomano, o herói do consumidor. Até o intruso Haddad , alvo constante de comentários sarcásticos de Marta e Serra, sorria ao lado do talentoso e belo Chalita e de Netinho, o sambista comunista.


Quando todos se divertiam, eis que surge Lula da Silva, que oficialmente não havia sido convidado por não ser paulistano. Na verdade os Grandes Eleitores não gostavam nada da mania irritante de Lula de virar a mesa no meio das refeições, sem se importar com taças de cristal alemão, os pratos de porcelana chinesa ou com a comida voando para todos os lados. Irado, Lula lança sobre a mesa principal a maça de ouro da aliança hegemônica e se retira, dizendo "Ao que me der mais votos".


O resto é história. Haddad chamado a escolher. A tentação de Kassab, impedido de pegar a maça apenas pela união das forças de Serra e Alckmin. A dúvida de Haddad entre Maluf e Erundina. A escolha de Maluf em troca dos mais belos 95 segundos do mundo. A fuga para a Moóca. A ira de Erundina. Os mil blogueiros progressistas se afogando no mar da inconsistência ideológica em defesa de Maluf. Enfim, a guerra de São Paulo. Pelo menos foi assim que a Maliu me contou. 


A história real é bem menos poética, mas vale meia-dúzia de quatro ou cinco observações.

Só acertando a matemática antes, quase todo mundo que comentou esse assunto falou nos 95 segundos de televisão que o Maluf representa. Não acho que este seja o motivo principal que levou Lula a construir essa aliança, mas não são 95 segundos. São 95 segundos a mais para o programa do PT e, ao mesmo tempo, 95 segundos a menos para o programa do PSDB. 190 segundos de "vantagem". Alguém acha que o Serra não se aliaria ao Maluf, caso este não se aliasse com o PT? Não só se aliaria, as conversas já estavam em andamento.


A foto lá no alto, mais até que a aliança em si, foi tomada por emblemática, publicada à exaustão nos jornais e reproduzida com um entusiasmo juvenil por todos os blogueiros conservadores da Internet brasileira. Coisas da Sociedade do Espetáculo. Mas apesar de Guy Debord sempre me dar ganas de sacar meu Luther Blissett, me parece que a maioria dos analistas da direita anti-Lula caiu de forma incompreensível em uma armadilha midiática um tanto óbvia. 


Em primeiro lugar, existe uma quantidade significativa de paulistanos para quem Maluf é uma referência positiva, mas isto nem é o mais importante. Importante é que existe uma parcela imensa da população (em São Paulo e no Brasil) para quem o aval de Lula a um candidato é relevante. Além de Antônio Haddad ser um ilustre desconhecido fora dos meios políticos e acadêmicos. A presença de Maluf na foto é mais que compensada pela presença de Lula e, para Haddad, serve como exposição gratuita (em jornais, blogs e revistas onde ele não seria visto normalmente) e como demonstração do apoio de Lula. 


A foto também serviu de estopim para o affair Erundina, que renunciou à candidatura a vice-prefeita em função da aliança com Maluf e da deselegância de Lula, que tomou o PSB e Erundina por favas contadas e sequer se dignou a aparecer na cerimonia oficialização da candidatura. Na verdade, nem foi a foto. Dias antes a Mary e a Camila fizeram uma blogagem simultânea criticando a aliança. Erundina leu e pulou fora. Sobre os dois posts, eu fico com a imagem da Camila mas com a conclusão final da Mary. 


Como intui a Camila, o Lula colou da Internet a resposta para a questão 4, "Como tirar o PSDB e seus asseclas do governo de São Paulo (cidade e estado)?". Mas a pegadinha é que Lula colou a resposta de si mesmo - especificamente da aliança federal que sustentou o segundo mandato e elegeu Dilma, forjada às custas de ministérios com porteira fechada para partidos mais bem caracterizados pelo artigo 288 do Código Penal ("Formação de quadrilha ou bando") , os retrocessos na agenda social em deferência aos fundamentalistas religiosos e um pastiche ideológico de fazer inveja a qualquer "cientista" político (as aspas vão em função da expressão "Ciência Política" dever sempre ser acompanhada de um "sic" - gente, a Lúcia Hippolito é "cientista" política). O que Lula quer fazer em São Paulo é isolar o PSDB e seus satélites, tirando deles a possibilidade de qualquer aliança externa a si mesmos. Assim, constrói-se na pré-eleição um arco de apoios que vai de Maluf ao PC do B. Como bem concluiu a Mary, "Se a USP não me quer, faço a Unicamp. Se São Paulo não me quer, deve pensar o Lula... E eu fico com bastante medo do que ele possa fazer a partir disso".  O que ele faz, aparentemente, é novamente colocar o projeto de poder do PT acima de qualquer outra consideração. 


Restou também do episódio a nova vergonha alheia do blogprog (o affair racista do PHA continua fresco na memória, não?). Do Nassif ao mais obscuro dos comentaristas, todos saíram a escrever bobagens sobre Erundina, Lula e Maluf. Novamente mostrando que irão para onde forem mandados. Sem sequer pensar duas vezes. O Tsavkko fez uma belíssima colagem do antes e depois no Twitter, com a Erundina imaginária do progressistas passando de fada a bruxa sem escalas. Parafraseando a Mary, eu fico com bastante medo do destino para o qual o progresso dessa gente pode nos levar.


Um comentário:

  1. Ah, Paulo, vc juntando minha mãe nas suas graças, Paulo, derrete meu coração empedernido, cínico e solitário. Rimos alto aqui, beijos muitos mesmo.

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