sábado, 31 de março de 2012

O nome das coisas: a Lei da Tortura

Nesses dias de quase Comissão de Alguma Verdade, de finalmente alguns protestos contra a arrogância e a hipocrisia dos golpistas de 64 e de tímidas tentativas de reparar os crimes contra a humanidade da ditadura militar, talvez seja o momento de começar a chamar as coisas pelos seus verdadeiros nomes.

A Lei 6.683 de agosto de 1979, promulgada pelo último ditador militar, João Batista Figueiredo, ficou conhecida como a "Lei da Anistia", por ter restaurado os direitos políticos daqueles que foram perseguidos pelo governo ditatorial.

É preciso então realizar uma importante correção semântica: a "Lei da Anistia" deveria passar a ser chamada de "Lei da Tortura".


O grande objetivo dessa lei foi proteger os crimes contra a humanidade cometidos pelo regime ditatorial, sob o comando dos generais que tomaram o poder em 64 e instalaram a ditadura militar que durou mais de 20 anos. Com o regime ilegítimo em vias de desaparecer, o último ditador utilizou esse artifício para "anistiar" agentes militares e civis que sequestraram, torturaram barbaramente, assassinaram e esconderam os corpos de centenas de cidadãos brasileiros.

A mudança de nome tem então uma função precisa, desfetichizar para as novas gerações o que realmente ocorreu. Um regime sanguinário com os dias contados decidiu realizar uma troca:  "perdoou" crimes que nunca existiram (pois não é crime resistir a facínoras que tomaram o poder pela força, derrubando um governo democraticamente eleito) em troca do esquecimento de seus crimes contra a humanidade. É preciso que se saiba que a "anistia", se houve, não se voltou para o passado, mas para o futuro. Para hoje, mais exatamente.

O efeito também é didático: é preciso que todos aqueles que invocam orgulhosamente a "Lei da Anistia" saibam que estão invocando a "Lei da Tortura". E que a "Lei da Tortura" serve para proteger gente que espancou prisioneiros até a morte, estupradores de mulheres grávidas, exemplos de coragem que aplicaram choques elétricos na vagina de garotas de 19 ou 20 anos, hérois militares que enfiaram cassetetes no ânus de rapazes amarrados.

Dessa foram ficará claro que todo aquele que invoca a Lei da Tortura como jurisprudência tem como objetivo inocentar os torturadores. Que todo aquele que fala em "reciprocidade" está equiparando a resistência a um regime sanguinário e ilegítimo a criminosos da pior espécie. Que a defesa da Lei da Tortura é na verdade a defesa de crimes contra a humanidade praticados por duas décadas contra brasileiros que ousaram se opor a  psicopatas com cargos públicos agindo sob as ordem de generais golpistas.

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